Cérebro_Coração, de Mariana Lima, é espetacular. É também uma grande peça, que vi duas vezes e preciso ver mais, porque Mariana ensina, entretém e ilumina. Lendo, lembrei o que senti uma vez quando li o que o Jorge Luis Borges disse sobre Eu e tu, do Martin Buber. Quando li Eu e tu, achei o livro muito bonito. Era bem jovem e não entendi tudo, mas entendi muito. Volto a ele sempre – e um dia, talvez, eu entenda mais.
Borges comentou que leu Martin Buber achando que era poesia e só depois descobriu que era filosofia. Aconteceu o mesmo comigo: li como se fosse poesia. Quando a filosofia alça voos altos, ela se aproxima da poesia, a forma mais alta de linguagem. Às vezes a filosofia se parece com ela, às vezes a ciência se parece com ela. A peça da Mariana faz isso: um neutrino se choca com a Hilda Hilst para explicar como nascem os poemas. Mariana mistura cérebro, coração, ciência e poesia.
A peça é ótima de ver e muito boa de ler. É um grande livro. Dá vontade de ler várias vezes, de rever a peça, de anotar e pensar, pensar, pensar.
A Hilda Hilst, a escritora, disse que escrever tem muito do neutrino. Ela falou assim: “A gente vai atravessando os corpos mais densos e opacos possíveis, até encontrar o momento de colisão. Então, para esse elemento, tudo o que dissemos e que pareceu incompreensível, obscuro, torna-se claro, rutilante". Por que eu tô falando do neutrino e da Hilda? Porque tem certas coisas, tem muita coisa, aliás, que a gente não vê e que existe. Tem partes do mundo que a gente não consegue ver, que a gente precisa imaginar.
*Jorge Furtado é diretor e roteirista de cinema e televisão. Em parceria com Guel Arraes, acaba de lançar O debate pela Cobogó.